Outono

é outono no maio de 2016 e estou pensando em você. O vento que faz nossos corpos ficarem agarradinhos quando estamos juntos fez o favor de mexer na tua saudade aqui dentro de mim. Em todos os lugares que se possa imaginar. Estava lendo aquele livro que comprei no sebo lá no centro histórico do Recife e senti como se cada fragmento fosse um pedaço teu. Como pode alguém te descrever tão bem sem ao menos saber dessa tua rara existência? Os galhos das árvores estão se balançando aqui no quintal; o vento assovia no cangote das folhagens e traz o cheiro amadeirado do teu corpo. Onde está esse teu abraço agora? Com que corpo está trocando perfumes? Continuar lendo

Lembrança

Recebi hoje as lembranças que você enviou por Lara.
Quando criança, sempre achei engraçado ouvir alguém dizer “mande lembranças a fulano” ou “diga a ciclano que eu mandei lembranças”. Na minha cabeça ficava o questionamento: como alguém pode levar lembranças se o sujeito não está mandando nada? Com o tempo, a simbologia dos gestos foram ficando mais maduras e hoje quando recebi o teu recado, senti o coração saltitando com as coisas que você me enviou. Bastou ela dizer “o moreno te mandou lembranças” para você aparecer desnudo como sempre somos juntos. O corpo sentiu uma avalanche de sensações gostosas que eu tinha me policiado a não mais sentir. Enviar lembranças a alguém deve ser isso: fazer o corpo sentir o que a memória guardou. E a minha guardou. Continuar lendo

Djavanear…

Moreno,

ouvi uma música e quis compartilhar com você. Nada de firula romântica de doer o coração. É Djavan. Djavan nunca dói, assopra. Assoprou um monte de coisa boa em mim e eu pensei em conversar sobre a letra, a melodia, a canção. Você devia ouvir esses discos antigos. A propósito, troquei o Spotify pela Deezer (sempre achei que era menino, o Deezer, mas é a Deezer, menina) e tenho gostado. Na verdade, não foi uma música, foram três discos e suponho que até o sono se assentar sobre as pálpebras terá sido mais, bem mais. E o pior de tudo é que você já está aqui e eu nem vi a hora que a campainha tocou. E tocou? Ou será que você ainda tem as chaves? Música une mais que aliança, que “relacionamento sério com” no facebook. Shit. Você tinha que entender logo de Long Play? Dos meus Lps? Ouvindo bem, não há mal nisso. Que bom para o coração não ter mau amor. É frame. A dama, o vagabundo e um prato de fones de ouvido.

Moreno

Faz dois minutos que a Amy entrou aqui em house e de repente começou a chuviscar. Sabe aquele banco de madeira envernizado que guarda todas as rasuras e travessuras de uma artista em processo? Está cheio de textos xerocopiados e rascunhos de pensamentos que ainda vou parir. Precisei pegar uma cadeira de plástico para sentar o corpo anestesiado pela demanda. A noite está tão fresca quanto o nosso chá de cidreira com limão e gelo. Os passarinhos dormem. Só escuto o som que entoa do computador e a voz desse sentimento que salta aqui de dentro. A grama está verdinha e limpa. Agora, todos os dias o pessoal recolhe as folhas do abacateiro.  Continuar lendo

Algodão doce

Hoje quando acordei senti o quarto inundado por vagarosas nuvens de algodão doce que passeavam de um lado para o outro sob a camada grossa e branca de gesso que figura o céu dentro alí. Demorei para levantar. Não entendi o que poderia ter feito desta noite diferente das outras de insônia, agonia e cama revirada. Se tudo estava igual: o lençol, o travesseiro, o ventilador ligado à tomada de trás do guarda-roupa, o carregador, o celular no chão, o despertador marcando 6:10h, meu pijama rosa já gasto, logo hoje que não houve leitura antes de dormir ou música. Continuar lendo

Sorte de cara

Do outro lado da sala seus olhos saltavam feito jabuticaba que está prestes a amadurecer. Um misto de vermelhidão com céu negro, vivos. Os músculos descontraídos do rosto falavam: um esboço de sorriso, rascunho de se guardar.

No canto esquerdo, uma quentura veraneio baiano tomava-me as bochechas que dançavam internamente trêmulas e vibrantemente achocolatadas. Havia prosa no meio daquele reverso. A questão já estava lançada: com quantos olhares se faz mesmo uma canoa? Decidimos montar. Um, dois, três…no quarto já não havia roupas que cobrissem a nossa intimidade. No findar da trama o parecer discorria um “estava escrito”. Entrelinhas das estrelinhas. Coisa de astro que não é pop mas que sabe como ninguém, fazer um carnaval fora do tempo.

Se a canoa não virar, olê olê olê olá, chegaremos LAR.

Detox

Já fiz dieta detox algumas vezes na vida e sempre deu certo.

Quando o inchaço parece aumentar o corpo e os pés ou quando a pele está ressecada e sem brilho corro logo para o suco verde, corto a farinha branca, açúcar, gordura e mais um monte de coisa e vou me virando como dá. Mas tem uma hora que é preciso fazer mais que detox alimentar. É preciso cortar as toxinas do dia a dia que a gente vai ingerindo na alma e tá pouco se lixando para o resultados dos exames. Continuar lendo

…te devoraria…

Moreno,

já imaginou se de repente todos que nos cercam começam a ler o olhar? Mas ler mesmo, palavra por palavra, com pontuação, acentuação e ritmo. Seríamos pegos no flagra, falando todas as besteiras que nos falamos enquanto ensaiamos mostrar os dentes sorrindo com as sobrancelhas e músculos des(contraídos) do rosto. Todos veriam como você me abraça forte até levar no teu corpo o meu perfume; todos veriam quando você diz do que mais gostou da noite passada. Será que entenderiam quando a gente gargalha depois da dança desengonçada na cozinha? Quando eu piso no teu pé e você diz que tá tudo bem, mas é melhor dançar mais devagar? Teu olhar me diz exato quem tu és e é aí que eu te devoro, te devoraria. Continuar lendo

Fagulhas

Fagulhas.

Fui procurar no dicionário. Quer dizer faíscas. Continuei procurando. Faísca quer dizer: partícula incandescente que se solta de uma brasa, de uma substância que queima ou que resulta de fricção de matéria dura. Aurélio de uma figa! Acertou em cheio. É faísca o que tá em movimento aqui dentro. É aquela coisinha pequena que se levanta do fogo quando a gente inventa de juntar as brasas da fogueira de São João comum graveto e depois tira o rosto pra não se queimar. É aquela iluminura aérea que criança gosta de ver porque parece com o que sai da chuvinha. É aquela coisa que sobe junto com fumaça quando tem muita cinza e arde o olho. É aquela coisa que não se sustenta no ar e logo se cansa de dançar alvoraçada. É aquele vaga-lume efêmero que no mesmo instante que pisca e acende, pisca e apaga.

É fagulha, amor.

Fagulha.

Caju

Sabe aquela promessa que nos fizemos sob o cajueiro em nosso primeiro verão juntos? De ser leal no dizer tudo? Não consegui. Há confissões que te faço assim, enquanto você dorme e a luz do abajur vermelho está acesa. Não fosse esse teu sono pesado você já teria enjoado de ouvir todos os sussurros que meus olhos falam baixinho enquanto se embebedam de você. Continuar lendo